Sexta Envenenada: O Último dos Canalhas

“− No futuro, pombinha, recomendo que exercite
sua razão antes de exercitar a língua.
Porque um sujeito poderia receber suas adoráveis
provocações como um desafio.
Entende o que quero dizer?
− Ah, nossa, não. Meu cérebro minúsculo
 simplesmente não consegue acompanhá-lo.
− Talvez a touca esteja apertando muito a sua cabeça.”
O Último dos Canalhas


Olá, Envenenados!

Mais um ano chegou ao fim. E quem de nós não estava louco para se ver livre de 2015? Um ano de crises, desastres e muitas atuações ridículas de muitas “Excelências”. Pois é, para mim o pronome de tratamento Vossa Excelência se transformou em sinônimo de canalha, falcatrua, mentiroso, corrupto, ladrão... algum outro?
Enfim, 2015 foi um ano complicado no cenário político, a economia deu uma banda, e continua dando, na maioria dos brasileiros, principalmente os trabalhadores de verdade; ano de dengues, zikas, microcefalias, Lava-jato, Petrobrás, Vale, Mariana..., mortes de inocentes, mortes de policiais, artistas, fechamento de escolas, violência contra professores e estudantes, muitas razões para fecharmos esse aninho horroroso com vergonha.
Nos resta lutar para mudar essas situações, exigir mais ética na política e leis mais claras e eficazes. Cabe a nós mudar tudo isso, não adianta só reclamar e indicar culpados.
Vamos fazer valer nossos direitos e deveres como cidadãos.
Mas é dia de primeiro post do ano, então não reclamemos somente, vamos lembrar das coisas boas que aconteceram em 2015.
Para nós, apaixonados literários, felizmente houve muita coisa boa em 2015. Aqui no Rio de Janeiro, por exemplo, tivemos a Bienal do Livro; várias editoras estão trazendo mais e mais autores de competência para abrilhantar nossas livrarias e nos deixar loucos para adquirir suas obras.
Mais uma conquista para os amantes dos Romances de Época foi o lançamento recente de O Último dos Canalhas, da Loretta Chase, publicado pela querida Editora Arqueiro.
Assim, O Último dos Canalhas terá o primeiro post de 2016. Seria uma ironia com uma frase bíblica que se tornou popular “Os últimos serão os primeiros.”?  Certamente, mas sem nenhuma conotação profética ou religiosa.
Há algumas semanas dei uma prévia da capa maravilhosa deste livro – cá entre nós, uma das melhores. Estou encantada com o modelo e agradeceria muitíssimo se alguém de informasse o nome do lindão.
E, finalmente, hoje posso falar sobre os personagens que me cativaram sobremaneira e, portanto, são os absintos do dia.
Loretta Chase me conquistou definitivamente com sua escrita muito bem elaborada, criando personagens cheios de qualidades e defeitos, que nos irritam e encantam com a mesma intensidade. Mas, particularmente, suas histórias têm algo mais que eu adoro: sempre há um quê de mistério, mas não o mistério sensual e segredos de família, isso está presente sempre, mas uma boa pitada de suspense, de questões sociais muito fortes.
O Último dos Canalhas, longe de ser o último, graças aos céus, aborda questões muito presentes em muitos países ditos civilizados, há dois ou mais séculos; a situação da mulher está sempre presente nesses romances, mas a marginalização, o sequestro, aliciamento, violência são pontos inteligentemente abordados nesta obra.
Loretta trata esses temas alinhavando a relação dos protagonistas e demais personagens, de maneira magistral. Assim, contamos com ação equilibrada com humor e sensualidade. Para mim, uma receita perfeita.
Mas os protagonistas... ah, os protagonistas!
“O devasso Vere Mallory, duque de Ainswood, está pronto para sua próxima conquista e já escolheu o alvo: a jornalista Lydia Grenville. Só que desta vez, além de seduzir uma bela mulher, ele deseja também se vingar dela.
Ao se envolver numa discussão numa taverna, Vere foi nocauteado por Lydia e se tornou alvo de chacota de toda a sociedade. Agora ele quer dar o troco manchando a reputação da moça.
Mas Lydia não está interessada em romance, principalmente com um homem pervertido feito Mallory. Em seus artigos, ela ataca nobres insensatos como ele, a quem considera a principal causa dos problemas sociais.
Nesse duelo de vontades, Vere e Lydia se esforçam para provocar a derrota mais humilhante ao mesmo tempo que lutam contra a atração que o adversário lhe desperta. E, nessa divertida batalha de sedução e malícia, resta saber quem será o primeiro a ceder à tentação.”
Vere é amigo de Lorde Belzebu, o Príncipe dos Canalhas, que, para nossa alegria, reaparece nesta obra com sua maravilhosa esposa Jessica.
Ele se torna duque após uma longa lista de falecimentos em sua família e, depois de receber o título que nunca almejou, torna-se ainda mais libertino, negligente e ácido. Seu posicionamento e comportamento são sempre os recheios mais procurados nos jornais locais.
Provas (algumas) de sua canalhice:
– O Argos tinha cem olhos, o senhor deve lembrar – falou Jaynes em voz alta. – O xará jornalístico tem como objetivo tornar a população bem informada, observando sem se abalar e relatando à metrópole como se tivesse cem olhos. Por exemplo, o artigo da Srta. Grenville falando sobre as jovens infelizes...
– Achei que só havia uma – interrompeu Mallory. – A imbecil que acabou presa na tumba com as cobras. Típico. – Ele abriu um sorrisinho. – E algum pobre idiota precisa galopar para salvar milady. E acabar morrendo de picada de cobra em troca do esforço. Se tiver sorte.
Cabeça-dura, pensou Jaynes.
– Eu não estava me referindo à história do Sr. St. Bellair, cuja heroína, para sua informação, escapou da tumba sem auxílio externo. Estava falando de...
– Não diga: ela matou as cobras de tanto tagarelar. – Ainswood levou a caneca de cerveja aos lábios e a esvaziou.
– Eu estava falando do trabalho da Srta. Grenville. Os artigos e ensaios dela são tremendamente populares com as mulheres.
– Deus nos livre das metidas a intelectuais. Sabe qual é o problema delas, Jaynes? Como não trepam com regularidade, algumas mulheres assumem as fantasias mais estranhas, como a de imaginar que conseguem pensar. – O duque limpou a boca com as costas da mão.”
Obviamente, quase toda sua personalidade é moldada pelas circunstâncias as quais se viu obrigado a enfrentar e pelo contexto em que vivia. Ele é sim irritante, arrogante, presunçoso e negligente com sua própria vida, mas vamos aprendendo a compreender toda sua amargura e descobrimos quem de fato ele é.
Já Lydia Grenville foi criada pelos tios paternos depois que seu pai a abandonou com eles e partiu para a América. É uma mulher que não se deixou abater pelos percalços que a vida lhe apresentou. Aos 28 anos e dona de uma beleza, altura e sensibilidade comparáveis às valquírias ou amazonas, ela é uma jornalista que não está muito preocupada com as fofocas da aristocracia e da nobreza.
Seu foco está voltado para as mazelas que assolam as ruas mais sombrias de Londres. Seus artigos geralmente procuravam denunciar abusos e outras situações que oprimiam a população mais desfavorecida.
Lydia sabia que havia incomodado algumas pessoas no círculo do secretário do Interior. Na primeira reportagem de sua série sobre o sofrimento das jovens meretrizes de Londres, ela sugerira a legalização da prostituição, o que permitiria à Coroa licenciar o ofício, assim como em Paris, por exemplo. Segundo Lydia, a regulamentação poderia pelo menos ajudar a reduzir os piores abusos.
Ela se empenha principalmente em investigar as ações de cafetinas como Coralie Brees que, desde que chegara da Europa continental, ganhara a fama de pior cafetina de Londres.
Mas além de seus artigos intensos e objetivos, ela também ganha um bom dinheiro com um romance que escreve para o jornal e que vem ganhando cada vez mais seguidores.
“A história em questão era “A rosa de Tebas”, aventuras de uma heroína contadas em fascículos de dois capítulos na bissemanal Argus desde maio. Só ela e Angus sabiam que o nome do autor, S. E. St. Bellair, também era uma obra de ficção.
Nem mesmo Joe Purvis sabia que Lydia escrevia os capítulos ilustrados por ele. Como todas as outras pessoas, acreditava que o autor era um solteirão recluso. Nem em seus sonhos mais loucos imaginaria que a Srta. Grenville, a repórter mais cinicamente teimosa da Argus, havia criado uma única palavra daquela história fantasiosa e tortuosa.
A própria Lydia não gostava de ser lembrada disso.”
Fanfarrice romântica, como ela mesma costumava dizer.
Totalmente diferente de Vere, Lydia é objetiva, transparente e só guarda um único mistério sobre si mesma: suas origens.
Enfim, como Vere e Lydia se conhecem?
Para variar ela está salvando uma jovem recém-chegada à cidade de um destino sombrio.
A cafetina local armava para que as jovens fossem assaltadas e aparecia como salvadora que as conduziria a um local seguro. Só que este local era o bordel que administra e de onde as moças jamais saem. Pelo menos, não vivas.
Quando Vere chega ao local, o circo está armado e ele intervém, mas obviamente usando seu charme canalha em primeiro lugar.
“– Ora, senhoras... – O rufião alto se aproximou, empurrando outro vagabundo para fora do caminho. – Toda essa ousadia e provocação vai arrebentar seus espartilhos, minhas belezuras. E tudo por quê? Pelo menor dos problemas: uma franguinha que duas galinhas querem. Há um monte de franguinhas por aí, certo? Não vale a pena macular a paz do reino e incomodar os policiais, concordam?
Ele tirou do bolso a sacola de moedas.
– Eis o que vamos fazer: 1 libra para cada uma, minhas caras. E eu livro a pequenina das suas mãos.
Lydia reconheceu a entonação característica das pessoas das classes superiores, que estão acostumadas a dar ordens, mas ficou ultrajada demais para pensar nisso.
– Uma libra?! – exclamou. – É esse o valor que você dá por uma vida humana? Uma libra?
Ele fixou os olhos verdes e brilhantes em Lydia, analisando-a de cima a baixo. Era muitos centímetros mais alto do que ela, algo não muito comum.
– Pelo modo como estava guiando a carruagem, você não dá qualquer valor à vida – retrucou com frieza. – Quase matou três pessoas na Strand no intervalo de um minuto. – O olhar descarado do sujeito percorreu a plateia. – Deveria haver uma lei contra mulheres guiando carruagens. Elas são uma ameaça pública.
...
– Sua Graça, o senhor se confundiu – disse ela com polidez rígida. – Sou Grenville, da revista Argus. Esta mulher é conhecida por seus atos criminosos. Estava atraindo a garota para um bordel sob o pretexto de levá-la à Bow Street. Se o senhor levar a cafetina sob custódia, eu irei acompanhá-lo com prazer e testemunhar...
– Sua mentirosa desgraçada! Eu só estava levando a menina para o Pearkes’s. – Coralie indicou o restaurante de frutos do mar do lado oposto. – Para comer uma coisinha. Ela passou por alguns problemas...
– E terá problemas muito piores nas suas mãos – interrompeu Lydia, e voltou sua atenção para Ainswood. – O senhor sabe o que acontece com as crianças que têm a infelicidade de cair nas garras dela? Passam fome, são espancadas e estupradas até se reduzirem a um estado de terror abjeto. Depois, ela as coloca na rua, algumas com 11 e 12 anos...
– Sua puta falsa, imunda! – bradou a cafetina.
– Estou manchando sua honra? – perguntou Lydia. – Ficarei feliz em dar satisfação. Aqui e agora se quiser. – Ela avançou para cima da alcoviteira. – Vejamos como você se sente do lado errado de uma surra.
Duas mãos grandes seguraram seus braços e a puxaram para trás.
– Basta, senhoras. Vocês estão me dando uma tremenda dor de cabeça. Vamos fazer as pazes, está bem?
– Sensacional! – gritou alguém. – Ainswood promovendo um acordo de paz. Será que a vaca tossiu quando eu não estava olhando?
Lydia olhou para a mão que apertava seu braço.
– Tire as patas de mim – ordenou com frieza.
– Garanto que vou tirar quando alguém me arranjar uma camisa de força para colocar em você. Quem a deixou sair do hospício?”
Claro que a situação só piorou e, com plateia, a tendência era uma grande elevação do clima, salpicado com muitas ofensas.
Mas esse furdunço todo foi o pontapé para uma relação de gato e gato, pois ambos atacam, ambos ferem e se ferem. Nesta história não há fragilidades ou forças apenas de um dos lados. É um verdadeiro duelo de titãs.
Tudo entre Vere e Lydia é intenso, as brigas, as ofensas, as piadas, mas, sobretudo, a atração que inevitavelmente surge.

Lydia continua com sua missão em busca da verdade e pela salvação das jovens que estão a mercê dos inescrupulosos exploradores.
Vere Mallory vê em Lydia uma nova motivação e passa a seguir seus passos, acreditando livrá-la se situações extremamente perigosas.
E isso, suas personalidades, seus estilos de vida e suas escolhas os levarão para um caminho sem volta, numa inusitada e contagiante história de amor.
Até mesmo sua primeira vez é desafiadora, a sedução bem ao estilo pré-história.
“Assumiu uma postura de lutador, com os punhos erguidos. Ela o encarou.
– Bata em mim – explicou ele. – Vou lhe dar três tentativas. Se não acertar nenhum soco, eu tenho três tentativas.
– Para bater em mim? – perguntou ela, perplexa.
Vere relaxou a pose.
– Grenville, se eu bater, você vai cair desmaiada no chão – disse, paciente. – De que adiantaria, então? Use a cabeça.
Os olhos azuis brilharam de raiva.
– Pelo diabo, Ainswood, você não ouviu nenhuma palavra que eu disse? Não consegue afastar a mente dos órgãos reprodutivos por um momento e pensar em seu futuro, e em seus ancestrais, e na sua posição?
Ele balançou a cabeça.
– Sinto muito. Não sou tão civilizado assim. Vamos lá, Lydia. – Vere projetou o queixo à frente. – Não está doida para quebrar meu queixo? Ou que tal meu nariz? Não que você tenha a menor chance, mas seria divertido vê-la tentar.”
Um doce, não é?
Pode parecer arrogante neste momento, mas na verdade ele a desafia o tempo todo, e agora só quer vê-la relaxar e, com isso vai conhecendo-a melhor e, ao mesmo tempo, cativando a nós, pobres imortais.
Apesar do título, O Último dos Canalhas não será o último, como disse no início, e a história o explica bem.
Presente maravilhoso este de Loretta Chase e da Editora Arqueiro, para encerrar um ano atroz e dar início a outro, em que precisamos, mais que nunca, depositar nossa fé e coragem para melhorar.

Feliz 2016, fiquem bem e Carpe Diem, Carpe Annum, Carpe Vita! 

3 comentários

  1. oi flor, acho que Loretta tem um jeito especial e diferenciado de escrever, seus personagens não são tão perfeitinhos e ela ao mesmo tempo em que "mancha" um pouco a honra deles consegue redimi-los de tal forma que as imperfeições tornam-se perfeições para o leitor, que da mesma forma que eu se vê apaixonada pelos seus mocinhos. Além do que as mocinhas sem mimimi são demais!
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    1. Oi, Thalita!
      É isso mesmo, são personagens que bem poderiam ser reais e extremamente carismáticos!
      Obrigada pela visita e pelo comentário!

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